segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A EXECUTIVA NO PARAÍSO

A EXECUTIVA NO PARAÍSO

Foi tudo muito rápido. A executiva bem-sucedida sentiu uma pontada no peito, vacilou, cambaleou, deu um gemido e apagou. Quando voltou a abrir os olhos, viu-se diante de um imenso Portal. Ainda meio zonza, atravessou-o e viu uma miríade de pessoas. Todas vestindo cândidos camisolões e caminhando despreocupadas. Sem entender bem o que estava acontecendo, a executiva bem-sucedida abordou um dos passantes:
• Enfermeiro, eu preciso voltar urgente para o meu escritório, porque tenho um meeting importantíssimo. Aliás, acho que fui trazida para cá por engano, porque meu convênio médico é classe A, e isto aqui está me parecendo mais um
pronto-socorro. Onde é que nós estamos?
• - No céu.
• No céu?...
• É.
• Tipo assim... o céu, CÉU...! Aquele com querubins voando e coisas do
gênero?
• Certamente. Aqui todos vivemos em estado de gozo permanente. Apesar das
óbvias evidências (nenhuma poluição, todo mundo sorrindo, ninguém usando
telefone celular), a executiva bem-sucedida custou um pouco a admitir que
havia mesmo apitado na curva.

Tentou então o plano B: convencer o interlocutor, por meio das infalíveis
técnicas avançadas de negociação, de que aquela situação era inaceitável.
Porque, ponderou, dali a uma semana ela iria receber o bônus anual, além de
estar fortemente cotada para assumir a posição de presidente do conselho de
administração da empresa.
E foi aí que o interlocutor sugeriu:
• Talvez seja melhor você conversar com Pedro, o síndico.
• É? E como é que eu marco uma audiência? Ele tem secretária?
• Não, não. Basta estalar os dedos e ele aparece.

• Assim? (...)
• Pois não?
A executiva bem-sucedida quase desaba da nuvem. À sua frente, imponente,
segurando uma chave que mais parecia um martelo, estava o próprio Pedro.
Mas, a executiva havia feito um curso intensivo de approach para situações
inesperadas e reagiu rapidinho:
• Bom dia. Muito prazer. Belas sandálias. Eu sou uma executiva bem-sucedida
e...
• Executiva... Que palavra estranha. De que século você veio?
• Do 21. O distinto vai me dizer que não conhece o termo 'executiva'?
• Já ouvi falar. Mas não é do meu tempo.
• Foi então que a executiva bem-sucedida teve um insight. A máxima autoridade ali no paraíso aparentava ser um zero à esquerda em modernas técnicas de gestão empresarial. Logo, com seu brilhante currículo tecnocrático, a executiva poderia rapidamente assumir uma posição hierárquica, por assim dizer, celestial ali na organização.
• Sabe, meu caro Pedro. Se você me permite, eu gostaria de lhe fazer uma
proposta. Basta olhar para esse povo todo aí, só batendo papo e andando a
toa, para perceber que aqui no Paraíso há enormes oportunidades para dar um upgrade na produtividade sistêmica.
• É mesmo?
• Pode acreditar, porque tenho PHD em reengenharia. Por exemplo, não vejo
ninguém usando crachá. Como é que a gente sabe quem é quem aqui, e quem faz o quê?
• Ah, não sabemos.
• Headcount, então, não deve constar em nenhum versículo, correto?
• Hã?
• Entendeu o meu ponto? Sem controle, há dispersão. E dispersão gera
desmotivação. Com o tempo isto aqui vai acabar virando uma anarquia. Mas nós dois podemos consertar tudo isso rapidinho implementando um simples programa de targets individuais e avaliação de performance.
• Que interessante...
• Depois, mais no médio prazo, assim que os fundamentos estiverem sólidos e
o pessoal começar a reclamar da pressão e a ficar estressado, a gente acalma a galera bolando um sistema de stock option, com uma campanha motivacional impactante, tipo: 'O melhor céu da América Latina'.
• Fantástico!
• É claro que, antes de tudo, precisaríamos de uma hierarquização e um
organograma funcional, nada que dinâmicas de grupo e avaliações de perfis
psicológicos não consigam resolver.
• !!!...???... !!!...??? ...!!!
• Aí, contrataríamos uma consultoria especializada para nos ajudar a definir
as estratégias operacionais e estabeleceríamos algumas metas factíveis de
leverage, maximizando, dessa forma, o retorno do investimento do Grande
Acionista... Ele existe certo?
• Sobre todas as coisas.
• Ótimo. O passo seguinte seria partir para um downsizing progressivo,
encontrar sinergias high-tech, redigir manuais de procedimento, definir o
marketing mix e investir no desenvolvimento de produtos alternativos de alto
valor agregado. O mercado telestérico, por exemplo, me parece extremamente atrativo.
• Incrível!
• É óbvio que, para conseguir tudo isso, nós dois teremos que nomear um
board de altíssimo nível. Com um pacote de remuneração atraente, é claro.
Coisa assim de salário de seis dígitos e todos os fringe benefits e
mordomias de praxe. Porque, agora falando de colega para colega, tenho
certeza de que você vai concordar comigo, Pedro. O desafio que temos pela
frente vai resultar em um Turnaround radical.
• Impressionante!
• Isso significa que podemos partir para a implementação?
• Não. Significa que você terá um futuro brilhante... se for trabalhar com o
nosso concorrente. Porque você acaba de descrever, exatamente, como funciona o Inferno...

Autor: Max Gehringer (Revista Exame - 2007)



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